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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Balanços e retrospectivas


Esta semana que fica espremida entre o Natal e o Ano Novo é muito interessante, apesar de sua atmosfera de tédio. É nela que nos recuperamos dos excessos, dos encontros e desencontros do Natal, e ainda nos preparamos para uma nova festa. Aos olhos de alguns, o Reveillon é muito melhor do que o Natal, para outros, ocorre exatamente o contrário.

Não priorizo nem um, nem outro. Para mim, são momentos e festividades com objetivos totalmente distintos, ambos com valor e muito necessários. Balanços e retrospectivas, tanto individuais como coletivos, têm seu lugar, um cantinho especial.

É bom olhar para trás, mesmo que seja para olhar pela última vez algo que se quer esquecer. E se for para recordar de algo bom, por que não?

Depois do aconchego do Natal, surge o momento para encarar desafios, para mapear novos destinos, renovar esperanças. Virar páginas e escrever novas, aparar arestas e limpar as sujeiras das gavetas e do coração. Retirar entulhos, sob todos os aspectos, e buscar métodos para consolidar o que foi tanto prometido e esquecido.

A magia da virada do ano sempre irá perseguir a humanidade. Incrível como um novo calendário tem um poder de renovação implícito. Se pensarmos friamente, é só mais um dia que inicia, como todos os outros 364 que chegaram à meia-noite...

Mas o que seria de nós, se não fosse o 31 de dezembro? Quantos já não se encheram de esperança nesta data? Quantos não acharam que o péssimo velho ano findo seria o passaporte para uma nova história, mais doce, branda e prazerosa, como se todos os problemas ficassem grudados ao calendário anterior?

É bom fantasiar que isso ocorre. Já fiz isso e foi bom. Se precisar, faço de novo...

Costumo dizer que um ano bom é também aquele que foi péssimo. Nas dificuldades, aprendemos mais, amadurecemos mais, crescemos rapidamente. Então, quando chega ao final, vimos o quanto evoluímos, e a sensação é de paz. E se o ano não teve tanta turbulência, embora o progresso seja menor, tem seu valor a tranquilidade que emana de um ano vivido sem sustos.

Seja qual for o seu caso, seja qual for o resultado de seus balanços, a retrospectiva é válida para criar o solo fértil para o novo plantio.

Que venha 2012! Minhas sementes já estão prontas!


sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O Peru de Natal - uma crônica de Mário de Andrade



O Peru de Natal - Mário de Andrade


O nosso primeiro Natal de família, depois da morte de meu pai, acontecida cinco meses antes, foi de consequências decisivas para a felicidade familiar. Nós sempre fôramos familiarmente felizes, nesse sentido muito abstrato da felicidade: gente honesta, sem crimes, lar sem brigas internas nem graves dificuldades econômicas. Mas, devido principalmente à natureza cinzenta de meu pai ser desprovida de qualquer lirismo, duma exemplaridade incapaz, acolchoado no medíocre, sempre nos faltara aquele aproveitamento da vida, aquele gosto pelas felicidades materiais, um vinho bom, uma estação de águas, aquisição de geladeira, coisas assim. Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro-sangue dos desmancha-prazeres.

Morreu meu pai, sentimos muito, etc. Quando chegamos nas proximidades do Natal eu já estava que não podia mais pra afastar aquela memória obstruente do morto, que parecia ter sistematizado pra sempre a obrigação de uma lembrança dolorosa em cada almoço, em cada gesto mínimo da família. Uma vez que eu sugerira a mamãe a ideia d'ela ir ver uma fita no cinema, o que resultou foram lágrimas. “Onde se viu ir ao cinema de luto pesado!”. 

A dor já estava sendo cultivada pelas aparências e eu, que sempre gostara apenas regularmente de meu pai, mais por instinto de filho que por espontaneidade de amor, me via a ponto de aborrecer o bom do morto.

Foi decerto por isto que me nasceu, esta sim, espontaneamente, a ideia de fazer uma das minhas chamadas "loucuras". Essa fora, aliás, e desde muito cedo, a minha esplêndida conquista contra o ambiente familiar. Desde cedinho, desde os tempos de ginásio, em que arranjava regularmente uma reprovação todos os anos. Desde o beijo às escondidas, numa prima, aos dez anos - descoberto por Tia Velha, uma detestável de tia - e principalmente desde as lições que dei ou recebi, não sei, duma criada de parentes: eu consegui no reformatório do lar e na vasta parentagem a fama conciliatória de "louco". "É doido, coitado!" falavam. Meus pais falavam com certa tristeza condescendente, o resto da parentagem buscando exemplo para os filhos e provavelmente com aquele prazer dos que se convencem de alguma superioridade. Não tinham doidos entre os filhos. Pois foi o que me salvou, essa fama. É tudo o que a vida me apresentou e o meu ser exigia para se realizar com integridade. E me deixaram fazer tudo, porque eu era doido, coitado. Resultou disso uma existência sem complexos, de que não posso me queixar em nada.

Era costume sempre, na família, a ceia de Natal. Ceia reles, já se imagina: ceia tipo meu pai, castanhas, figos, passas, depois da Missa do Galo. Empanturrados de amêndoas e nozes (quanto discutimos os três manos por causa do quebra-nozes...), empanturrados de castanhas e monotonias, a gente se abraçava e ia pra cama. Foi lembrando isso que arrebentei com uma das minhas "loucuras":

- Bom, no Natal, quero comer peru.

Houve um desses espantos que ninguém não imagina. Logo minha tia solteirona e santa, que morava conosco, advertiu que não podíamos convidar ninguém por causa do luto.

- Mas quem falou de convidar ninguém! - essa mania... Quando é que a gente já comeu peru em nossa vida! Peru aqui em casa é prato de festa, vem toda essa parentada do diabo...

- Meu filho, não fale assim...

- Pois falo, pronto!

E descarreguei minha gelada indiferença pela nossa parentagem infinita, diz-que vinda de bandeirantes, que bem me importa! Era mesmo o momento pra desenvolver minha teoria de doido, coitado, não perdi a ocasião. Deu-me de supetão uma ternura imensa por mamãe e titia, minhas duas mães, três com minha irmã, as três mães que me divinizaram a vida. Era sempre aquilo: vinha aniversário de alguém e só então faziam peru naquela casa. Peru era prato de festa: uma imundície de parentes já preparados pela tradição, invadia a casa por causa do peru, das empadinhas e dos doces. Minhas três mães, três dias antes já não sabiam da vida senão trabalhar e trabalhar no preparo de doces e frios finíssimos de bem-feitos, a parentagem devorava tudo e ainda levava embrulhinhos pros que não tinham podido vir. As minhas três mães mal podiam de exaustas. Do peru, só no enterro dos ossos, no dia seguinte, é que mamãe com titia ainda provavam um naco de perna, vago, escuro, perdido no arroz alvo. E isso mesmo era mamãe quem servia, catava tudo pro velho e pros filhos. Na verdade ninguém sabia de fato o que era peru em nossa casa, peru, resto de festa.

Não, não se convidava ninguém, era um peru pra nós cinco, cinco pessoas. E havia de ser com duas farofas, a gorda com os miúdos, e a seca, douradinha, com bastante manteiga. Queria o papo recheado só com a farofa gorda, em que havíamos de ajuntar ameixa preta, nozes e um cálice de Xerez, como aprendera na casa da Rose, muito minha companheira. Está claro que omiti onde aprendera a receita, mas todos desconfiaram. E ficaram logo naquele ar de incenso assoprado, se não seria tentação do Dianho aproveitar receita tão gostosa. E cerveja bem gelada, eu garantia quase gritando. É certo que com meus "gostos", já bastante afinados fora do lar, pensei primeiro num vinho bom, completamente francês. Mas a ternura por mamãe venceu o doido, mamãe adorava cerveja.

Quando acabei meus projetos, notei bem, todos estavam felicíssimos, num desejo danado de fazer aquela loucura em que eu estourara. Bem que sabiam, era loucura sim, mas todos se faziam imaginar que eu sozinho é que estava desejando muito aquilo e havia jeito fácil de empurrarem pra cima de mim a... culpa de seus desejos enormes. Sorriam se entreolhando, tímidos como pombas desgarradas, até que minha irmã resolveu o consentimento geral:

- É louco mesmo!...

Comprou-se o peru, fez-se o peru, etc. E depois de uma Missa do Galo bem mal rezada deu-se o nosso mais maravilhoso Natal. Fora engraçado: assim que me lembrara de que finalmente ia fazer mamãe comer peru, não fizera outra coisa aqueles dias que pensar nela, sentir ternura por ela, amar minha velhinha adorada. E meus manos também, estavam no mesmo ritmo violento de amor, todos dominados pela felicidade nova que o peru vinha imprimindo na família. De modo que, ainda disfarçando as coisas, deixei muito sossegado que mamãe cortasse todo o peito do peru. Um momento, aliás, ela parou, feito fatias um dos lados do peito da ave, não resistindo àquelas leis de economia que sempre a tinham entorpecido numa quase pobreza sem razão.

- Não senhora, corte inteiro! Só eu como tudo isso!

Era mentira. O amor familiar estava por tal forma incandescente em mim, que até era capaz de comer pouco, só pra que os outros quatro comessem demais. E o diapasão dos outros era o mesmo. Aquele peru comido a sós, redescobria em cada um o que a quotidianidade abafara por completo: amor, paixão de mãe, paixão de filhos. Deus me perdoe, mas estou pensando em Jesus... Naquela casa de burgueses bem modestos se estava realizando um milagre digno do Natal de um Deus. O peito do peru ficou inteiramente reduzido a fatias amplas.

- Eu que sirvo!

"É louco, mesmo!" - pois por que havia de servir, se sempre mamãe servira naquela casa?! - Entre risos, os grandes pratos cheios foram passados pra mim e principiei uma distribuição heróica, enquanto mandava meu mano servir a cerveja. Tomei conta logo dum pedaço admirável de "casca", cheio de gordura, e pus no prato. E depois vastas fatias brancas. A voz severizada de mamãe cortou o espaço angustiado com que todos aspiravam pela sua parte no peru:

- Se lembre de seus manos, Juca!

Quando que ela havia de imaginar - a pobre! - que aquele era prato dela, da Mãe, da minha amiga maltratada, que sabia da Rose, que sabia meus crimes, a quem eu só lembrava de comunicar o que fazia sofrer! O prato ficou sublime.

- Mamãe, este é o da senhora. Não!, não passe não!

Foi quando ela não pôde mais com tanta comoção e principiou chorando. Minha tia também, logo percebendo que o novo prato sublime seria o dela, entrou no refrão das lágrimas. E minha irmã, que jamais viu lágrimas sem abrir a torneirinha também, se esparramou num choro. Então principiei dizendo muitos desaforos pra não chorar também, tinha dezenove anos... Diabo de família besta que via peru e chorava! - coisas assim. Todos se esforçavam por sorrir, mas agora é que a alegria se tornava impossível. É que o pranto evocara por associação imagem indesejável de meu pai morto. Meu pai, com sua figura cinzenta vinha pra sempre estragar nosso Natal, fiquei danado.

Bom, principiou-se a comer em silêncio, lutuosos, e o peru estava perfeito. A carne mansa, de um tecido muito tênue, boiava fagueira entre os sabores das farofas e do presunto, de vez em quando ferida, inquietada e redesejada, pela intervenção mais violenta da ameixa preta e o estorvo petulante dos pedacinhos de noz. Mas papai sentado ali, gigantesco, incompleto, uma censura, uma chaga, uma incapacidade... E o peru, estava tão gostoso, mamãe por fim sabendo que peru era manjar mesmo digno do Jesusinho nascido.

Principiou uma luta baixa entre o peru e o vulto de papai. Imaginei que gabar o peru era fortalecê-lo na luta e, está claro, eu tomara decididamente o partido do peru. Mas os defuntos têm meios visguentos, muito hipócritas de vencer: nem bem gabei o peru que a imagem de papai cresceu vitoriosa, insuportavelmente obstruidora.

- Só falta seu pai...

Eu nem comia, nem podia mais gostar daquele peru perfeito, tanto que me interessava aquela luta entre os dois mortos. Cheguei a odiar papai. E nem sei que inspiração genial, de repente me tornou hipócrita, e político. Naquele instante que hoje me parece decisivo da nossa família, tomei aparentemente o partido de meu pai. Fingi, triste:

- É mesmo... Mas papai, que queria tanto bem a gente, que morreu de tanto trabalhar pra nós, papai lá do céu há de estar contente... (hesitei, mas resolvi não mencionar mais o peru) contente de ver-nos todos reunidos em família.

E todos principiaram muito calmos, falando de papai. A imagem dele foi diminuindo e virou uma estrelinha brilhante do céu. Agora todos comiam o peru com sensualidade, porque papai fora muito bom, sempre sacrificara tanto por nós. “Fora um santo que vocês, meus filhos, nunca poderão pagar o que devem a seu pai, um santo”. Papai virara santo, uma contemplação agradável, uma inestorvável estrelinha do céu. Não prejudicava mais ninguém, puro objeto de contemplação suave. O único morto ali era o peru, dominador, completamente vitorioso.

Minha mãe, minha tia, nós, todos alagados de felicidade. Ia escrever "felicidade gustativa", mas não era só isso não. Era uma felicidade maiúscula, um amor de todos, um esquecimento de outros parentescos distraidores do grande amor familiar. E foi, sei que foi aquele primeiro peru comido no recesso da família, o início de um amor novo, reacomodado, mais completo, mais rico e inventivo, mais complacente e cuidadoso de si. Nasceu de então uma felicidade familiar pra nós que, não sou exclusivista, alguns a terão assim grande, porém mais intensa que a nossa me é impossível conceber.

Mamãe comeu tanto peru que um momento imaginei, aquilo podia lhe fazer mal. Mas logo pensei: ah, que faça!, mesmo que ela morra, mas pelo menos que uma vez na vida coma peru de verdade!

A tamanha falta de egoísmo me transportara o nosso infinito amor... Depois vieram umas uvas leves e uns doces, que lá na minha terra levam o nome de "bem-casados". Mas nem mesmo este nome perigoso se associou à lembrança de meu pai, que o peru já convertera em dignidade, em coisa certa, em culto puro de contemplação.

Levantamos. Eram quase duas horas, todos alegres, bambeados por duas garrafas de cerveja. Todos iam deitar, dormir ou se mexer na cama, pouco importa, porque é bom uma insônia feliz. O diabo é que a Rose, católica antes de ser Rose, prometera me esperar com uma champanha. Pra poder sair, menti, falei que ia a uma festa de amigo, beijei mamãe e pisquei pra ela, modo de contar onde é que ia e fazê-la sofrer seu bocado. As outras duas mulheres beijei sem piscar. E agora, Rose!...

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Salva pela máquina de lavar roupa


Ontem à noite, fui salva pela minha máquina de lavar roupas. É claro que ela já me salvou várias vezes, mas do jeito normal, assim, lavando aquelas pilhas de roupa que insistem em querer crescer toda a semana, num ciclo sem fim.

Mas pelo episódio de ontem, se fosse personificada, certamente ela mereceria um belo presente.

Estava eu, bela e formosa, confeccionando meus fuxicos que virarão marcadores de livros para a família. Já falei sobre isso por aqui. Meu ateliê fica em um anexo de minha casa e é ali que a coisa artesanal acontece. E já passava da meia noite.

Pois bem.

Eis que, com o trabalho terminado, organizei a bagunça e.... opa, porta nº 1 trancada, porta nº 2 trancada, porta nº 3 trancada e.... porta nº 4 trancada também. Todos os acessos para a minha casa estavam fechados!!!

Maridão foi deitar e, como faz todas as noites, conferiu se tudo estava devidamente seguro. Nem lembrou que eu pudesse estar no ateliê naquela hora, sei lá, fez tudo automático e eu acabei ficando trancada em minha própria casa, pelo lado de fora!

Ele foi para o quarto, ligou a TV, o ar condicionado, fechou a porta e pronto...devidamente incomunicável.

Filha dormindo, sono ferrado. Celular na bolsa, do lado de dentro da casa. Muros altos em volta, que só davam para os vizinhos, acessos emperrados, e só as luzes de Natal da minha árvore para me consolar...

E euzinha lá, sendo atacada por mosquitos famintos, batendo em todas as portas para tentar ser ouvida, numa daquelas noites quentes do inferno que só o verão sabe proporcionar...

10 minutos e nada...

A essa altura, as batidas nas portas começaram a virar pequenas pancadas desesperadas.

E a mosquitada avançando...minhas pernas viraram banquete...

25 minutos e as pequenas pancadas transformaram-se em murros irritados...

Já começava a pensar em um jeito para dormir por ali mesmo, no ateliê, junto com o calor, a mosquitada e os tecidos. Hum, tem um colchão meia boca por lá, acho que vou ter que encarar essa aventura.

35 minutos.

Tenho que tentar um pouco mais, embora confesso, morrendo de vergonha dos vizinhos... o que eles estariam pensando de uma maluca que dá murros em sua própria porta, à 1 da manhã?

Melhor desistir, não vai ter jeito.

E se ele quem sabe, sentir sede? Vai ter que buscar água na cozinha e então vai conseguir me escutar.

Mais alguns murros. Desta vez, com os pés juntos para ajudar, afinal, as mãos já estavam doendo.

Bingo!!!! Ele veio ver o que era e finalmente fui salva! 45 minutos de desespero e tudo terminado!

E o que tem minha máquina de lavar roupa a ver com tudo isso? Simples, ele achou que o barulho fosse ela, a máquina, se matando de trabalhar na madrugada, batendo roupa.

Como o barulho estava demais, na concepção dele, poderia deslocar a mangueira de água, e iria criar um caos aquático na lavanderia. Melhor conferir, pensou ele.

E assim fui salva de uma noite pessimamente dormida. Nunca agradeci tanto poder dormir numa cama!!! Sem mosquitos e fresquinha... Não tem preço.


E minha máquina de lavar, minha melhor amiga eletrodoméstica! Salvadora à prova de maridos desligados!

domingo, 18 de dezembro de 2011

Cachorros humanos


Eu adoro cachorros! Tenhos duas aqui em casa e não nego o quanto elas são importantes para a convivência humana, para a demonstração de afeto, a concretização da consciência e da responsabilidade. O quanto são amorosas e fiéis, e o quanto preenchem nossa existência com seus rabos sempre abanando e suas demonstrações de carinho.

E, com tudo isso, ainda continuam sendo cachorros.

Também choquei-me ao ver o vídeo da tal enfermeira que torturou até a morte um pequeno yorkshire, uma raça de companhia, indefesa e minúscula. Foi, evidentemente, horrível saber que um ser humano é tão cruel a ponto de agir dessa forma.

Mas outras coisas chocaram-me ainda mais. A tortura ao animal foi realizada e frente a uma pequena criança de aparentemente dois ou três anos. Assim, como se tudo fosse normal.

Que tipo de princípios essa criança absorverá? A sociedade não está preocupada com isso?

Também foi omisso o tal autor do vídeo, que a tudo filmou sem chamar a atenção da algoz do cachorrinho, nem denunciar ou procurar ajuda imediatamente, na mesma tarde em que tudo ocorrera debaixo de seus olhos, sem socorrer o pobre bichinho que sofria, intervindo eficazmente? Preferiu postar o vídeo no youtube, ganhar popularidade e, dias depois, procurar a delegacia para ver a torturadora se dar mal.

Mais chocante ainda perceber que muitas daquelas torturas são praticadas não com animais, mas sim com crianças, mulheres, homens, idosos, mendigos, seres humanos espancados até a morte, longe de câmeras indiscretas, dia após dia, todos os dias, sem que a mesma comoção se estabeleça.

Chocante também é a repercussão do caso, onde muitos comentários nas redes sociais são exatamente em defesa dos animais em detrimento de seres humanos, como que desistindo da raça humana, conceituando o amor de um animal como o 'mais puro' que existe, esquecendo que esse amor é uma forma condicionada de sobrevivência dele.

Não se pode generalizar a atitude horrenda de um ser humano como o padrão de comportamento globalizado. Amar e respeitar os animais é princípio a ser cultivado sim, mas jamais sem primeiro amar e respeitar os seus iguais, aqueles por quem devemos preservar e cultivar em nossas amizades, relacionamentos e convivência.

O cachorro estará lá, abanando o rabo quando estivermos voltando para casa. Ele esperará por seu afago e pelo prato de comida e água limpa. Discordo totalmente dos humanos que centralizam suas vidas em torno de um animal, a ponto de mudar sua rotina, seus hábitos, seus horários, trocam seu ciclo social, sacrificam a convivência da família e dos amigos unicamente para buscar o bem estar animal acima de tudo. Certamente há uma carência profunda nestes que enxergam em quatro patas o que deveriam fazer em duas.

De nada adianta bem tratar o cachorrinho e viver dando patadas nos humanos, ainda que esta patada seja a hostilidade e o vazio em que suas vidas se transformam em função disso. 

Certa vez, assisti no programa chamado "o Encantador de Cães" o adestrador afirmar que não adestra os cães, mas sim os humanos. O padrão de felicidade de uma pessoa não é o mesmo de um cão. O que você estabelece como importante para a sua felicidade não deve ser replicado para o animal, pois ele não enxerga o seu mundo da mesma forma.

Animal não come na mesa, não dorme em nível elevado do chão, não tem noção de tempo.

Hábitos saudáveis para um cão passam longe disso. Passam por respeito aos limites, territorialidade e instintos que lhe são próprios. Assim, comer em uma vasilha no chão, dormir no paninho do lado de fora da casa, e ter que esperar até o fim do dia para receber um 'oi' do dono, são os itens que o faz feliz. Por isso, de nada adianta permitir que seu cão divida a casa com você, sem limites, coma da sua comida, e durma do seu lado, no mesmo travesseiro, pois a única coisa que você irá criar será um animal perturbado.

Achei fantástica a colocação do profissional. 

Em verdade, na sua doutrina, o encantador de cães esclarece que o cão é um animal seguidor por natureza. Ele vive em matilhas, gosta de seguir. E quanto ele encontra um dono que não sabe liderar, não lhe determina como agir, e nada lhe impõe, ele passa a fazer esse papel, mas totalmente desnorteado, pois não sabe conviver com esta personificação imposta.

Posso dizer, sem medo: eu crio cachorras felizes! 

E não precisei impor a elas hábitos humanos para isso.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Primeira dinâmica natalina


A correria de fim de ano já começou... não podemos deixar o Natal passar em branco e essa é a razão de tantos preparativos, ideias, comida, bebida, reunião, presentes. Tudo para deixar o momento bem especial, com um toque divertido.

Já é tradição na minha família manter as dinâmicas natalinas como foco principal da festa. E este ano, não poderia ser diferente. Já temos a definição do local, pessoas e qual prato cada um vai aventurar-se a fazer para a ceia. Agora, precisamos pensar nas brincadeiras para entreter a todos.

Pensei num modo de perpetuar o espírito natalino durante todo o ano de 2012, aproximando mais a família, que por uma razão ou outra acaba apenas se encontrando em eventos formais, aniversários e festas. Era preciso encontrar uma fórmula, criando o pretexto adequado para a aproximação casual, despretensiosa e amigável, que ainda não fosse forçada e, de quebra, ainda permitisse conhecer o outro ainda mais profundamente, gerando boas gargalhadas, um bom papo, mais intimidade e cumplicidade.

Passei em uma livraria e o 'clic' aconteceu... Achei a fórmula!!!

A primeira dinâmica natalina deste ano foi proposta hoje e a aceitação foi geral. Foram comprados apenas livros, para cada um dos membros da família. Este livro vai ser entregue na noite de Natal, mas seu destino não ficará nas mãos do presenteado. Ele rodará a família durante os doze meses do ano, um mês dedicado a um familiar, onde cada qual terá a oportunidade de dedicar-se exclusivamente àquela pessoa. 

Será o pretexto para aquele encontro num café, uma tarde diferente, para escrever a carta que nunca conseguiu, para ler um bom livro, para pensar, presentear, emocionar-se, descobrir, conhecer aquele que, por um acaso da vida, é um parente seu. E tem ainda o assunto do livro lido, investigar o que anda pela cabeça da pessoa, quais seus planos e projetos, o que mais gosta de fazer, o que lhe frustrou nos últimos tempos. Dá tempo também de conhecer um hobby novo, entender o porquê disse isso ou aquilo, limpar mágoas, renovar carinhos, deixar-se levar pela emoção.

Cada livro virá em uma sacola que conterá também um marcador de livros artesanal, claro. Somente no Natal do ano que vem, após passar por doze pessoas, terá seu caminho encerrado. O presenteado, além de receber o livro que era dele, terá uma sacola recheada de mimos, emoções e surpresas.

O Natal deste ano promete... e o do ano que vem mais ainda!!!

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Eu nunca entendi...


Há milhares de coisas que já cansei de tentar entender... Criei um mecanismo de auto defesa, capaz de me fortalecer diante do que não posso controlar.

É simples: aceitação.

Não aquela aceitação franca, sem questionamento, passiva. Aceitar não significa concordar, apenas entender sua insignificância diante do que não é possível mudar, ou do que não se quer mudar.

Já percebi que quando se aceita, o peso dos ombros diminui, a vida fica mais leve e o passo mais firme. Para quem o inverso insiste em acontecer, o fardo é mais árduo, os dias são mais longos e a frustração é corrente.

Preciso dizer que não entendo para aceitar minhas limitações, rever meus conceitos ou simplesmente iniciar um novo processo de entender. Mudam-se as perspectivas, alteram-se os dados e as versões e uma nova compreensão se faz.

Não entendo, mas aceito. Melhor assim. 

Clarice Linspector traduziu, com singular doçura, o não entender:

Não entendo 
Isso é tão vasto
que ultrapassa qualquer entender.
Entender é sempre limitado.
Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma benção estranha,
como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso,
é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação:
quero entender um pouco.
Não demais:
mas pelo menos entender que não entendo.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Embarque neste trem...


Este dia nove de dezembro foi marcado por um fato importante. Era o último dia de aula de minha filha e dentre os tantos acontecimentos bons do dia uma pergunta dela me fez tremer: mãe, a fulana disse para mim que Papai Noel não existe! 

E antes que eu pudesse esboçar qualquer reação, ela pergunta de novo: o que você acha disso? Você acredita no Papai Noel?

Enfim, era chegado o momento de dizer o que era preciso. Mas não assim, de qualquer jeito, secamente, numa ruptura direta ao mundo real, sem passar por um estágio intermediário.

Respirei fundo.

No meio do trânsito, da chuva, e do caos do fim do dia, um par de olhos e ouvidos atentos esperavam por minha explicação. Comecei.

Disse que Papai Noel é um símbolo. Um símbolo mágico que nos transfere imediatamente à lembrança de tudo o que é bom, daquilo que é efetivamente importante na vida de cada um: família, amigos, amor, compreensão, paz...

É a síntese do Natal e de tudo que de maravilhoso existe no mundo. Há os que acreditam e os que não creem que existam boas coisas. Não há um Papai Noel do jeito certo ou do jeito errado. Há apenas o Papai Noel e a carga de tudo o que ele representa. São escolhas nossas que permitem trilhar os caminhos que conduzem ao bem, ao amor, à pureza, à paz e à vida melhor.

Os presentes representam a lembrança, um sinal de que aquele alguém é importante para nós. Quando estamos com o coração cheio de amor e pensamos em alguém, queremos representar esse carinho entregando um presente a esta pessoa. E não precisa ser algo embalado. Pode ser um telefonema, uma carta, um beijo e abraço ou mesmo um maravilhoso 'eu te amo'. Também pode ser um perfume, uma joia, um carro, um livro, uma blusa, um brinquedo... tudo é expressão de amor e ternura. O Papai Noel representa toda essa simbologia, pois é ele quem entrega os presentes, quem transmite esse amor...

Decidimos ir ao shopping... era hora da verdade.

- Filha, vamos comprar agora aquele jogo que você pediu para o Papai Noel.
- Mas é você quem vai comprar? Não é o Papai Noel?
- Não querida, são as pessoas que compram os presentes...
- Ah é, você me explicou, o Papai Noel é apenas um símbolo!

Eis que o bom velhinho surge sentado no trono vermelho , no centro da decoração natalina do shopping...

- Vai lá filha, conversa com o Papai Noel.
- Mas eu não vou pedir nada a ele...
- Não precisa pedir nada, apenas converse com ele, diga o que ele representa a você...

E lá foi ela. Nem preciso dizer que enxuguei lágrimas enquanto olhava ela conversando com o bom velhinho, toda animada. Não ouvi a conversa, apenas observei seu sorriso e o rosto surpreso do senhor que carinhosamente a escutava. Imaginei o que ela tinha falado a ele e sorri... 


Como é lindo ver um filho crescer...

No retorno, papai e mamãe decidiram que era o momento de marcar o acontecimento, sem que ela percebesse, já que tudo estava sendo muito natural. Decidimos parar na locadora e locar o filme 'Expresso Polar', o clássico que representava bem o momento vivido. Crianças que acreditavam e crianças que duvidavam da existência do Papai Noel.

Assistimos os três juntos, com direito a pipoca e escurinho.

Ao final, o guizo sonoro representava a crença. Quem escutava o som, era porque acreditava. Quem não escutasse, o contrário...

O desfecho do filme, lindíssimo, sugeria exatamente o conteúdo daquilo que respondi no carro. O Natal está sempre dentro dos nossos corações, dos corações daqueles que acreditam no que ele representa. Tudo o que nos remete ao Natal nos transporta a essa magia...

Final do filme. Ela foi até a árvore e pegou uma bola vermelha. Uma bola que, supostamente, não deveria ter som, porque era apenas uma bola decorativa, daquelas nossas conhecidas de sempre. Caprichosamente, por uma dessas coincidências mágicas, a bola escolhida estava com um grampo solto dentro.


Balançando, ela emitiu um som. O sorriso dela foi incrível... 


- Mãe, você está ouvindo? Estou sim querida... E você pai, consegue ouvir? Consigo filha!

Êêêêê... nós todos acreditamos no Natal! Temos um guizo que faz barulho!!! Eu vou sempre acreditar no Natal, até eu ficar velhinha! Essa bolinha vai sempre fazer um som para mim! Eu acredito!!!

Foi verdadeiramente mágico. Chorei mais uma vez.

No filme, uma frase marcante: "Sobre os trens, não importa saber o seu destino, importa saber se queremos embarcar…"

Nós, por aqui, já decidimos...

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Gênios da crise


Bem se sabe que a necessidade é a mola propulsora das invenções. Enquanto não se tem necessidade, pouco se cria, nada se transforma, tudo acaba sendo um eterno repetir.

Pois bem.

Assistindo a um programa dia desses, não me lembro bem ao certo qual era, a discussão propunha uma análise sobre a genialidade. Não aquela genialidade nata, cuja propriedade é dada a uns poucos iluminados, dos quais nada se sabe a origem ou a amplitude.

Falava-se sobre a genialidade criada, aquela adquirida nos bancos escolares regulares, ou na vivência cotidiana. Aquela que aparece quando se passa por uma crise, uma dificuldade tormentosa. Daí à crise americana, foi um pulo. Um outro comentou que acredita-se, segundos pesquisas, que daqui a dez anos o mundo sentirá os efeitos da crise econômica americana e europeia pela quantidade de inovações, tecnologia, invenções, novos produtos, melhorias...tudo em função do que se passa agora. Afinal, ver-se, do dia para a noite, sem condições de sobrevivência, sem casa, meio de subsistência e perspectiva, força, naturalmente, o indivíduo a encontrar soluções rápidas.

E aí, o cérebro, antes acomodado, passa a trabalhar intermitentemente, focado em criar. Daí, nasce a genialidade, a criatividade, a inovação. 

São os gênios da crise.


Resultado do prêmio


Eis que o Prêmio Top Blog 2011 encerrou. O resultado do Vida-de-Isa foi extraordinário e diria, até, surpreendente. No segundo turno da votação, entre os 100 melhores classificados da categoria, foram divulgadas listas semanais em que constava o blog entre os 30 mais votados, sempre, durante todo o período.

Ao final, não entrou na classificação dos três primeiros colocados, mas, entre as parciais, conclui-se que ficou entre os 30 primeiros.

Não há divulgação da quantidade de votos, nem qual a colocação de cada blog participante. E isso também é o de menos. Numa competição com mais de 150 mil blogs, é notável que um simples concorrente, meio tímido e falando apenas sobre o cotidiano de uma pessoa, tenha alcançado um voo tão alto. Um blog, eu diria, até internacional, via Google Translate, alcançando leitores da Itália, Espanha, Japão, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá e Portugal, com média de 50 acessos por semana, só nestas localidades. No Brasil, a visitação alcança picos de 600 leitores por semana, espalhados por todo o país, acessos de todos os estados brasileiros.

O tempo médio de leitura do blog é de dois minutos por usuário. Num mundo como o de hoje, onde há até síndrome pelo excesso de informação, você conquistar alguém a parar e ler um blog particular por dois minutos de seu precioso tempo, por si só, é uma grande vitória. Conquistar, a cada semana, novos leitores, é gratificante. Cativar os antigos a retornar, mais ainda.

Só tenho a agradecer aos meus leitores que votaram no blog e aos que não votaram também. Aqueles que comentam ou que mandam e-mails. Aqueles que aparecem só de vez em quando ou que 'curtem' no Facebook. Os que elogiam, os que criticam e reclamam quando passo mais de dois dias sem escrever. 

Isto tudo só me incentiva a continuar, ao perceber que o que escrevo acerta, de certa forma, muitos alvos ao mesmo tempo, tocando almas, fazendo refletir, melhorando o humor, provocando mudanças, unindo cliques a um único objetivo: o de crescer, amadurecer e viver feliz.

Não é por acaso que o símbolo do blog é uma borboleta. Um ser leve, lindo, e que passa por uma metamorfose incrível até atingir seu ápice de beleza e perfeição, quando antes era horrendo, pesado e desajeitado. Assim desejo que o cotidiano de todos que passam por aqui seja: uma constante mutação e transformação para o melhor, até tornar-se leve, bonito e feliz. Este é o objetivo do Vida-de-Isa e de todos os que dele derivam, porque, afinal, como seres múltiplos, e não seria possível resumir a vida de ninguém em um único espaço...

Muito obrigada!
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