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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Politicamente correto


Andando por uma livraria, dia desses, deparei-me com o livro acima: Caçadas de Pedrinho, um clássico de Monteiro Lobato. Recentemente, este livro foi considerado racista pelo Conselho Nacional de Educação, num parecer bastante polêmico.

Em síntese, o CNE censurou o livro, publicado em 1933, que narra as aventuras da turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo em busca de uma onça pintada, por entender que traços racistas estariam na obra, principalmente quando em referência à Tia Nastácia, personagem negra, e também sobre alguns animais, como urubu e macaco.

Esta é mais uma daquelas questões que envolvem o 'politicamente correto'.

Confesso: detesto os politicamente corretos, aqueles que deixam de expressar o que verdadeiramente pensam em nome de um conceito global preestabelecido. Aqueles que amenizam palavras visando unicamente esconder e maquiar preconceitos que estão aflorados neles mesmos... 

Obviamente que o livro de Monteiro Lobato, ao ser lido, deve ser contextualizado, pois escrito numa época em que a linguagem era diferente, mais carregada. Nunca, jamais ser censurado por isto.

É a mesma história da música: Atirei o pau no gato-to, mais o gato-to não morreu-reu-reu... já ouvi um CD uma vez que trazia a canção reformulada para: Não atire o pau no gato-to-to/ Porque isso não se faz, faz, faz/ O gatinho-nho-nho é nosso amigo-go-go/ Não devemos maltratar os animais. 

Fala sério: eu nunca matei um gato porque cantava a música tradicional. Acredito que a onda do politicamente correto distorce, e acaba até fortalecendo preconceitos. 



Sinceramente, entendo que os pais não podem terceirizar a transmissão de valores morais para os livros ou para a música infantil. Esta é uma função que deve ser feita pela família, e qualquer tentativa de ensinar a ser forçadamente bonzinho por mensagens já prontas em livros não terá efeito. Isso porque a percepção do bom e do mau deve vir pela reflexão e pelo exercício constante entre o certo e o errado. A leitura deve provocar a criança com situações de conflito para que ela raciocine sobre o assunto e tire suas conclusões. 

Lembro muito bem de minha filha perguntar, ao ler o título 'O Negrinho do Pastoreio'... isso não é feio mãe, chamar o menino de negrinho só porque ele tem pele marrom? Será que se o título do livro estivesse "O Afrodescendentezinho do Pastoreio', teria levado a minha pequena a refletir da mesma maneira e questionar desta forma? Creio que não.


A imposição do politicamente correto leva a cuidados excessivos, que muitas vezes pode ter o efeito contrário... Mas, ainda bem, o tal parecer do CNE foi rejeitado pelo Ministro da Educação, Fernando Haddad, muito também pelo pronunciamento claro e tempestivo, da Academia Brasileira de Letras, em sentido contrário à censura.


Muito bem. Castro Alves, pode descansar em paz... Seu 'Navio Negreiro', por ora, está livre de ameaças!

6 comentários:

Rita disse...

Isa, linda, acho que, na verdade, o parecer encaminhado ao MEC não censurava Caçadas de Pedrinho, não; apenas sugeria que as manifestações racistas fossem contextualizadas, problematizadas, ao invés de simplesmente difundidas como “naturais”. Textualmente, falava em “lidar pedagogicamente e criticamente (...) [com] obras consideradas clássicas presentes na biblioteca das escolas que apresentem estereótipos raciais.” Achei relevantes as colocações (como exemplo, tia Nastácia é comparada a uma macaca em determinada passagem de Caçadas, e o parecer sugeria que os professores orientassem a leitura, no sentido de questionar a comparação lamentável que Lobato incluiu ali e assim diminuir o eventual desconforto de crianças negras ou mestiças em sala de aula, além de questionar a escrita de Lobato, ao invés de simplesmente idolatrá-la, o que acho muito bom já que o racismo em várias passagens da obra dele é evidente). Eu não sei as razões que levaram o MEC a desconsiderar o parecer (não li mais sobre o assunto), mas vi muitos textos confusos na internet sobre o tema, falando de censura e tal - que mais atrapalharam do que informaram (parecia que ninguém tinha lido o parecer e saíram por aí repetindo "não à censura" - que nunca foi proposta). Orientar criticamente uma passagem estereotipada não é o mesmo que censurar. Acho que vai além do “politicamente correto”, sabe? Estereótipos racistas reforçados, discretamente ou não, podem se converter em obstáculos imensos na trajetória social de milhões de crianças negras ou mestiças. Se eu (ainda) fosse professora, pensaria duas vezes antes de sugerir uma obra com as características de Caçadas - e olha que Lobato foi marcante em minha vida, cresci lendo sua obra e imitando sua boneca falante; mas eu sou branca e a forma como Tia Nastácia ou Tio Barnabé eram retratados nunca me causou qualquer impacto. Sinceramente, não sei se seria o mesmo se eu fosse negra. E, se eu optasse por usar a obra com meus alunos, agora que cresci e aprendi sobre o racismo confesso de Lobato (vide sua obra O Presidente Negro, um horror!), certamente buscaria diretrizes pedagógicas que me ajudassem a explorar a obra criticamente e combater o lamentável racismo difundido por ele. Sei lá, eu gosto pra caramba da obra do Lobato, mas seu racismo é lamentável e bem marcado. E entre combater um dos maiores males de nossa sociedade ou glorificar a obra de um escritor, não penso duas vezes: guardo Lobato na estante, lá atrás. Será que estou sendo apenas “politicamente correta”? Olha, acho que não, viu.

Concordo muito com você em relação à responsabilidade da família na transmissão de valores, mas não dá para desconsiderar o peso dos estereótipos nas relações entre crianças e adolescentes. Sabe quem sente na pele, né não?

A obra infantil dele é muito boa (apesar dos pesares...) e acho que pode ser um forte incentivo à leitura, então ainda acho que aqui em casa vou ler com os pequenos e questionar o racismo (mais ou menos na linha que o tal parecer sugeria). Tomara que eu consiga.
;-)

Beijo grande!

Isa disse...

Rita,

Obrigada por seu comentário, vc é sempre muito bem vinda por aqui.
Eita que nós duas somos bichinhas tristes, não? Adoramos uma boa discussão.
Pelo que li, entendi que houve censura sim, na medida em que a intenção do parecer era retirar o tal livro do rol de títulos indicados às escolas públicas. E mesmo que estiver errada, se não foi exatamente isso que ocorreu, vale a discussão.
Concordo com alguns posicionamentos seus, principalmente porque sei de sua formação como professora e conhecedora profunda do assunto (que não sou), mas acredito sinceramente que há mais racismo em tentar expor a diferença do que simplesmente tratá-la como algo natural. Explico melhor: quando crianças, todas são iguais, se enxergam iguais...nenhuma criança fica preocupada se o amigo é alto ou baixo, amarelo ou azul, se lhe falta um perna ou se o cabelo dele está arrepiado, ou se está bem vestido ou não. São diferenças que estão lá, presentes, mas que ninguém se importa. Essa naturalidade com que as crianças enxergam as diferenças é que defendo, e acredito que chamar a atenção para uma determinada expressão aparentemente esteriotipada só faz ressaltar uma diferença que até então era absolutamente natural, que não tinha qualquer necessidade de ser enfatizada.
Nos dias de hoje, a obra de Lobato deve ser obrigatoriamente contextualizada para se criar e forçar uma discussão real sobre preconceitos, não para que se extirpem as diferenças entre as pessoas, por que elas estão lá e existem (o alto será sempre alto e o baixo será sempre baixo...o azul sempre será azul e o amarelo, idem), mas para que possamos encará-las tão naturalmente como um dia já fizemos na infância e que, por razões que desconheço (mas que quero refletir para entender) perdemos...
Grande bj,
Isa

Rita disse...

Oi, Isíssima!

Eu teria outro tanto de coisa pra dizer sobre seu comentário, mas, ai, deixei pra depois, sei lá por quê. Mas hoje o Idelber publicou O TEXTO sobre o assunto e muito do que eu ainda teria a dizer está lá (claro, dito com muito mais propriedade!), então te recomendo a leitura, se você ainda tiver interesse no assunto, beleza? O link:

http://www.idelberavelar.com/archives/2010/11/nao_e_sobre_voce_que_devemos_falar_por_ana_maria_goncalves.php

Beijocas
Rita

Isa disse...

Rita, li e entendi seu posicionamento...agora concordar é outra história!
E vamos continuando assim, nós, as campeãs em discordância!
Grande bj,
Isa

Anônimo disse...

ISA, não me refiro ao livro porque nunca o li, mas concordo com você quanto ao 'politicamente correto'.
Via de regra, uma falácia, um jeito 'correto' de caçar as bruxas. Não gosto.
Sou pelo respeito incondicional, entretanto bom humor é sempre bem vindo. E liberdade não tem preço.

Um abraço

José Santana Filho

Isa disse...

Com certeza, José, e viva a liberdade!
Obrigada pela visita.
Grande abraço.

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